É em janeiro de todo o ano o festivo momento de celebração do aposentado brasileiro.
Tal fato decorre da conhecida Lei “Eloy Chaves”, vale dizer, Decreto-Lei 4.682 do dia 24 de janeiro de 1923 que instituiu de forma pioneira a Previdência Social Brasileira por ocasião da criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões em favor da classe ferroviária.
Logo, em terra brasillis é o dia 24 de janeiro a oficial data de comemoração do aposentado.
Vê-se assim um grandioso marco protetivo, aperfeiçoado e evoluído no sistema jurídico nacional a ponto de a partir de outubro de 1988 ganhar dimensão constitucional, conforme importante previsão do artigo 201 da CF/88.
Sob a perspectiva histórica, buscou-se consolidar técnicas, políticas e planos da tutela social através de uma relação jurídica previdenciária, englobando seus importantes personagens, dentre eles os trabalhadores filiados e contribuintes; os empregadores e tomadores de serviços; os entes públicos, além de toda a sociedade em geral.
Em outras palavras um pacto de gerações.
Assim, os ideários da sociedade também foram arquitetados em um plano maior de proteção, agora sob o olhar de um sistema previdenciário, social, constitucional e fundamental por excelência.
Tratou-se de um marco histórico com a fixação de metas de aperfeiçoamento social através de uma proteção previdenciária também social.
Wladimir Novaes Martinez explica a Previdência da seguinte maneira:
É a técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte – mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes.[1]
Aqui, uma rápida e concentrada análise sob a perspectiva histórica.
Explorando a data em tempos atuais, vê-se que quase pouco há o que comemorar.
Ocorre que o sistema previdenciário nacional é um dos mais complexos do mundo, associado as diversidades agigantadas do contexto brasileiro; além das oscilações na gestão previdenciária a nível governamental; aumento da expectativa de sobrevida; baixa taxa de natalidade; insegurança normativa e jurídica; ausência de uma séria e coesa cultura previdenciária; etc.
Assim, o momento da Previdência Social Brasileira demanda um enfrentamento técnico apropriado no intuito de enfrentar seus dilemas, corrigir a rota e traçar um planejamento qualitativo de futuro, algo, sequer ventilado pelos gestores.
Em linhas gerais é a Previdência Social Brasileira generosa e acessível, cada vez mais conhecida e com cobertura universal e ampla, inclusiva e midiática.
A generosidade é em seu catálogo de prestações, sendo ofertado a seus filiados e inscritos prestações previdenciárias variadas e amplas, incluindo aposentadorias, auxílios e salários aos segurados, ao passo que aos dependentes a pensão por morte e auxílio-reclusão, conforme artigo 18 da conhecida lei de benefícios do RGPS (Lei 8.213/1991) e artigo 25 do Decreto Regulamentador 3.048/1999.
Por certo e a uma objetiva análise, fácil verificar que existe um rol amplo e generoso de prestações previdenciárias catalogadas e disponíveis, diferentemente de outros países em que sequer os auxílios acidente e reclusão existem.
De todo o modo essa tem sido a escolha do legislador nacional, mesmo sofrendo habitual impacto reformador como forma de aperfeiçoamento e evolução de um primado idealizado na Lei Eloy Chaves, porém ratificado com extremado relevo no projeto de 1988.
Lado outro, de fato é verificada amplamente sua modernização, atingida que foi pela transformação via rede social, além da efusividade tecnológica que tem ocupado a Administração Pública, trazendo de forma acessível, clara e ampla informações cruciais ao acesso de seu conteúdo em midiático processo.
Entretanto, tentativas essas existem para premiar a informação do sistema, mas não para tratar seus conhecidos problemas.
O cenário nacional da política de proteção previdenciária se encontra em colapso, um caos institucional e sem projeções de solução a curto e médio prazo.
Dados conhecidos como a excessiva judicialização previdenciária[2]; enorme fila de atendimento[3]; falta de servidores[4]; a insegurança jurídica pelas constantes reformas[5]; dentre outros nevrálgicos fatores que apontam para um sistema cada vez mais inconfiável, inseguro e distante das premissas constitucionais.
Deste modo, intentam os aposentados brasileiros o aperfeiçoamento qualitativo do sistema, a higidez previdenciária dentro da perspectiva do fortalecimento e a concreção de sua essência.
É que mesmo aposentado continua vivo juridicamente e acobertado pela gestão previdenciária, sendo destinatário do sistema após ter preenchido os pressupostos de contemplação de algum benefício previdenciário. Antes, trabalhador, portanto filiado, inscrito, beneficiário, segurado e aposentado, mas em todas estas etapas sujeito protegido.
Políticas de reajustes; teses revisionais; provas de vida; empréstimos consignados; cumulação da benefícios; convocações; etc., representam alguns cenários de manutenção do atendimento ao aposentado, razão de que suas expectativas caminham no mesmo sentimento dos atuais segurados ao pretendido aperfeiçoamento do sistema.
Em qualquer perspectiva, pouco há o que se comemorar, o que não serve para arquivar os ideários lançados em 24 de janeiro de 1923 e, no pós-pandemia, continuar a busca da plena consolidação.
Um importante desafio, de todos e por todos, num pacto de gerações.
[1] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr. 2012. p.33.
[2] https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/desajustes-favorecem-judicializacao-previdenciaria/
[3] https://oglobo.globo.com/economia/epoca/inss-tem-fila-recorde-com-285-milhoes-espera-de-beneficio-equivalente-populacao-de-salvador-25449108
[4] https://www.direcaoconcursos.com.br/noticias/concurso-inss-2022-deficit-impacto/
[5] https://cnts.org.br/noticias/reforma-da-previdencia-completa-um-ano-com-atrasos-e-filas-para-se-aposentar/
Por Sérgio Henrique Salvador
Mestre em Direito Constitucional (FDSM). Pós-Graduado pela EPD/SP e PUC/SP. Professor de diversos cursos (graduação, pós-graduação, preparatórios e atualização jurídica). Professor titular do Direito Unopar Itajubá. Coordenador Acadêmico da Pós-Graduação em Prática Previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD). Escritor com mais de 15 livros publicados em várias editoras. Integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB/MG. Advogado em Minas Gerais. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de pesquisadores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto de 2019.