O atual patamar da taxa básica de juros da economia brasileira (Selic), mais baixo da história, juntamente com as ações do Banco Central do Brasil (BCB) que estimulam a concorrência no setor bancário brasileiro vêm promovendo mudanças significativas no mercado financeiro. Temos tratado deste tema nos nossos últimos painéis de educação financeira, no entanto, as mudanças no setor são tantas que precisamos alertar os nossos ouvintes e leitores sobre mais alguns dos possíveis efeitos decorrentes desse novo cenário de redução dos juros promovido pelo BCB.
As ações do BCB, tanto pela redução da taxa de juros básica da economia quanto pela promoção da concorrência contribuem para a redução do que chamamos de spread bancário. O spread bancário é a diferença entre a taxa de juros paga para a captação de recursos pelo banco e o quanto o banco cobra de juros de quem toma dinheiro emprestado em uma operação de crédito ou financiamento.
O spread contempla em seu valor diversos custos intrínsecos ao mercado de crédito como o lucro bancário, os riscos relativos à operação de crédito, inadimplência, as despesas administrativas, tributos e a margem do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
Conhecendo a definição de spread, podemos entender sob quais situações ele poderá ser reduzido. Quando a captação de recursos pelo banco tiver seu custo (juros pago ao investidor) elevado e ou quando o banco passar a cobrar taxas menores dos tomadores de empréstimos. Portanto, para o consumidor será vantajosa a redução do spread, sob a possibilidade de aumentar seu retorno enquanto investidor e de diminuir seus custos quando tomador de empréstimos. Por sua vez, para o banco significa uma margem menor para cobrir os seus custos e manter o seu lucro.
Recentemente alertamos para a migração dos investidores da renda fixa para investimentos com maior risco. A bolsa de valores tem recebido aportes recordes de investidores que antes aplicavam em CDBs, títulos do governo brasileiro, fundos de renda fixa e até na caderneta de poupança. Tal efeito tem elevado os preços das ações comercializadas na B3, nossa bolsa de valores, conforme vimos em painéis anteriores.
A baixa rentabilidade dos investimentos de menor risco atrelados à Selic tem, portanto, um efeito de gerar escassez de depósitos em duas fontes relevantes e tradicionais na captação de recursos dos bancos comerciais: os CDB[1]s e as cadernetas de poupança. Por esta razão está sendo cada vez mais comum encontrar rentabilidades de 100% a 115% do CDI[2] em CDBs. Portanto, se o seu banco não oferecer rentabilidades superiores a 100% do CDI, talvez seja um bom momento de fazer pesquisas para garantir melhores rentabilidades para os seus investimentos de baixo risco.
Esta escassez de recursos disponibilizados para os bancos via CDB, e a obrigação de ofertar taxas de rentabilidade não tão reduzidas quanto a Selic para os seus clientes, têm potencial de diminuir o que chamamos de spread bancário.
Já vimos que o custo de captação de recursos por parte dos bancos não se reduziu tanto quanto a Selic, devido a migração da oferta de recursos para investimentos mais arriscados em bolsas e fundos. Por outro lado, também falamos no nosso último encontro de duas políticas recentes do BCB que buscam reduzir o outro lado do spread bancário. Com a política do Open Banking e a imposição de um limite máximo para os juros cobrados no cheque especial o spread deve reduzir ainda mais, seja pelo aumento da concorrência que implica em menores taxas de juros, seja pela regulamentação que estabeleceu limites máximos de cobranças de juros no cheque especial.
Até aqui as alterações parecem benéficas para o cliente do sistema financeiro. No entanto, também destacamos no nosso último encontro que a mesma resolução do BCB que estabelece um teto de juros para o cheque especial (8% ao mês[3]), também estabeleceu a possibilidade de cobrança de tarifa de até 0,25% do valor de limite de crédito disponibilizado que exceder R$ 500.
E é neste ponto que queremos chegar. Notem que uma redução no spread bancário (diferença entre juros pago na captação e juros recebidos em empréstimos pelos bancos) está associada a um aumento de tarifa bancária. Ou seja, os bancos terão novo instrumento para compensar a redução dos seus ganhos associados ao spread bancário.
Tal movimento também é esperado em outras categorias de crédito que não o cheque especial. Ou seja, é natural que os bancos busquem a recomposição dos lucros via elevação das tarifas bancárias associadas à concessão de crédito no caso de redução do spread.
Muito embora os juros sejam geralmente o custo principal do “aluguel” do dinheiro, existem outros custos comuns associados aos processos de concessão de crédito e de financiamento.
Portanto, é importante ao tomador de crédito ficar atento a estas tarifas e serviços auxiliares associados a uma concessão de crédito. Ao custo total do crédito, geralmente, estão associados tributos, tarifas, seguros, custos relacionados a registro de contrato e outras despesas cobradas na operação, portanto o custo efetivo do crédito costuma ser maior do que simplesmente a taxa de juros. Ao cálculo que leva em consideração todos os custos incluídos na operação de crédito – damos o nome de Custo Efetivo Total (CET). Na contabilidade do CET devem ser explicitados, além do valor em reais de cada componente do fluxo da operação, os respectivos percentuais em relação ao valor total devido.
Aqueles que já financiaram um carro ou uma casa, por exemplo, sabem que em muitos casos são cobradas tarifas de abertura e concessão de crédito, além de seguros para o bem financiado e para o tomador do empréstimo. Esses custos não aparecem quando apenas comparamos a taxa de juros cobrada, mas podem ser muito relevantes para o custo total do financiamento e podem cada vez mais se tornarem fontes importantes de receita para os bancos, uma vez que geralmente parte expressiva desses serviços são prestados pela própria instituição financeira que concede o crédito.
Portanto a recomendação do nosso painel de educação financeira de hoje é para cada vez mais estarem atentos a estes custos financeiros que não se resumem apenas a taxa de juros. Fique atento às tarifas cobradas regulamente para manutenção da conta e limites de crédito em cheque especial, cartão de crédito e para as tarifas de cadastro, seguros e outros custos passíveis de serem inseridos em um financiamento.
Um mercado mais competitivo é sempre bom para o consumidor, mas quanto mais informado este estiver, mais rápido irá se beneficiar das reduções de preços!
Desejamos a todos um ótimo 2020 e nos vemos novamente no próximo ano para retomarmos os aprendizados em educação financeira!
Prof. Dr. André Luiz Medeiros
Prof. Dr. Moisés Diniz Vassallo
Prof. Dr. Victor Eduardo de Mello Valerio
DENARIUS – Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação Financeira
Instituto de Engenharia de Produção e Gestão (IEPG)
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
O painel de educação financeira é uma parceria do programa Conexão Itajubá com o Grupo Denarius da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
https://www.facebook.com/denarius.unifei/
[1] CDB: Certificado de Depósito Bancário. Os Certificados de Depósito Bancário (CDB) e os Recibos de Depósito Bancário (RDB) são títulos privados representativos de depósitos a prazo feitos por pessoas físicas ou jurídicas. Podem emitir CDB os bancos comerciais, múltiplos, de investimento, de desenvolvimento e a Caixa Econômica Federal.
[2] CDI: Certificado de Depósito Interfinanceiro. Instrumento para facilitar a aplicação e captação de recursos pelas instituições financeiras, melhorando a liquidez do sistema.
[3] Conforme os dados divulgados pelo BCB atualmente o valor médio da taxa de juros mensal para o uso do crédito em cheque especial é de 8,9%, consideradas as taxas apenas dos 3 maiores bancos de capital privado do país a taxa média mensal é de 13,2%, ou seja, muito superior ao novo limite.