Há tempos já sabemos que enxaqueca não é só dor de cabeça. Quem tem enxaqueca tem mais chance de sofrer de depressão, ansiedade, sintomas do labirinto e maior risco de derrame cerebral. Nos últimos anos, alguns estudos têm revelado que a enxaqueca também está associada a um maior risco de infarto do coração. A razão para esse maior risco de doenças cardiovasculares ainda não é bem conhecida e são vários os candidatos: aterosclerose, sangue com maior tendência à trombose, espasmo dos vasos sanguíneos e/ou alterações cardíacas associadas.
Um estudo publicado na última edição da revista Neurology (Academia Americana de Neurologia) ajuda-nos a entender melhor a relação entre a enxaqueca e eventos cardiovasculares, sugerindo que o primeiro suspeito da lista, a aterosclerose, não parece ter chance de ser o culpado.
Moradores do norte da Itália foram submetidos a acompanhamento médico por 5 anos, incluindo exames seriados das artérias femorais e carótidas – que medem o grau de aterosclerose de um indivíduo. Na população estudada, as pessoas que sofriam de enxaqueca tinham até mesmo um grau de aterosclerose menor do que aqueles sem enxaqueca. Em contraste, a população que tinha enxaqueca apresentou maior risco de trombose nas veias, tanto nas pernas como no pulmão. A freqüência de trombose venosa foi de 18,9% comparada a 7,6% nas pessoas sem enxaqueca.
Esses resultados, além de indicarem que a aterosclerose não deva ser o maior responsável pelas complicações vasculares dos pacientes com enxaqueca, sugerem que o segundo suspeito, sangue com maior tendência a trombose, possa realmente ter mais culpa no cartório do que se imaginava até então.
O maior risco de trombose nas veias encontrado na pesquisa apóia essa hipótese, já que a coagulação do sangue é vista como o principal fator causal nesse tipo de trombose. Nesse estudo, os indivíduos com enxaqueca ainda apresentaram mais fatores da coagulação do sangue que predispõem à trombose (Mutação do fator V Leiden), especialmente no caso da enxaqueca com aura.
Essa maior tendência à trombose pode também estar associada ao conhecido fato de que há uma ativação da coagulação sanguínea no momento de uma crise de enxaqueca e que perdura por alguns dias. Apóia também essa hipótese o fato da pesquisa ter revelado que o risco de trombose foi maior nas pessoas que tinham mais anos de história de enxaqueca. Estudos anteriores já haviam mostrado que crises freqüentes aumentam o risco de lesões cerebrais por trombose nas artérias.
Hoje, podemos falar de boca cheia que a decisão de se iniciar um tratamento para enxaqueca para redução da freqüência e intensidade das crises tem a intenção não só de melhorar a qualidade de vida. O tratamento visa também proteger o indivíduo de vir a desenvolver tromboses no cérebro e provavelmente em outras partes do corpo.
:: Dr. Ricardo Teixeira é Doutor em Neurologia pela Unicamp. Atualmente, dirige o Instituto do Cérebro de Brasília (ICB) e dedica-se ao jornalismo científico. É também titular do Blog “ConsCiência no Dia-a-Dia” e consultor do Grupo Athena.
Fonte: Grupo Athena / Maxpress