Ando muito incomodada desde que, há um mês e meio, minha vida virou do avesso.
Reconheço os ganhos desse período, não me entendam mal. Mas há uma coisa que insiste em me incomodar.
Estamos todos em luto, acho que já percebemos. Pela perda de pessoas (alguns de nós), ou pela perda da vida que conhecíamos.
Aos poucos fui me dando conta de que estamos todos nós na fase da negação do luto, como diria a Dra. Elizabeth Kübler-Ross, se ainda estivesse viva.
Não acredita? Então, olhe em volta: as aulas continuam de casa, como se nada estivesse acontecendo, somos inundados diariamente com recomendações de como “encher o tempo da inatividade”, esforços são feitos todos no sentido de manter as mesmas rotinas de antes.
Quase nenhum espaço para chorar. Mais de 200 mil mortes até agora, e de tão preocupados em manter a rotina antiga, mal nos demos conta da dor que isso deveria significar para os outros seres humanos vivos.
Vemos saírem de casa todos os dias os trabalhadores essenciais, e não nos sentimos mortalmente aterrorizados de que muitos voltem doentes para casa.
Estamos vendo profissionais de saúde no limite das suas forças, e não nos levantamos em protesto quando vemos as agressões hediondas que muitos deles sofrem.
Perdemos as nossas referências de vida, da única vida que conhecíamos, e estamos nos atropelando cegamente atrás delas, como se fossem as que vão continuar a fazer sentido quando tudo isso passar.
Temos medo de morrer, todos nós, e estamos negando sistematicamente esse medo através da agitação que atropela o nosso dia.
Estamos trabalhando muito mais do que antes, e insistimos em dizer que é só porque estamos aprendendo coisas novas necessárias para trabalharmos em casa, por exemplo.
O fato é que estamos mergulhados na primeira fase do luto, aquela quando o enlutado faz um enorme esforço para não admitir que perdeu coisas muito importantes, e que a perda é para sempre.
Porque o mundo nunca mais vai voltar a ser o que já foi um dia.
E como ele será no futuro, quando tivermos enterrado os nossos mortos?
Vai depender exclusivamente de nós, do que tivermos aprendido com o que estamos vivendo.
Mas para aprender, precisamos antes saber chorar o nosso luto…