Sem dúvidas a nominada pela doutrina “Revisão da Vida Toda” tem ocupado boa parte dos debates jurídicos no campo previdenciário, seja pela viabilidade conferida a partir do recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, seja também pelo fato que o INSS, sucumbente da tese, tem agido de forma desproporcional para atrasar sua concretização com a criação de barreiras, além de produzir dilemas estranhos ao valioso precedente da Suprema Corte.
A tese é fruto de aprimorado debate jurisdicional, nascida na região sul do país e defendida pela combativa advocacia especializada em todos os níveis.
Também, seu pensamento jurídico é plenamente defensável e na sintonia com o próprio sistema constitucional vigente que alocou a contributividade e a proteção social como premissas fundantes, notadamente pela clara existência de financiamento para justificar o aprimoramento dos benefícios.
Assim, se percebe tecnicamente que a tese não é genérica, ampla e universal, acolhendo apenas específica parcela de beneficiários do regime geral (RGPS) com vários filtros, dentre eles, por exemplo o prazo decadencial de 10 (dez) anos contado a partir do mês seguinte ao primeiro pagamento do benefício.
Aqui uma barreira normativa existente e limitadora do campo dos beneficiários alcançados pela decisão.
De relevo ainda destacar outro fator que filtra bem sua aplicabilidade, ou seja, os valores do benefício revisando, sendo necessário, prudente e razoável aferir se a aplicabilidade da tese, ainda que dentro do prazo revisional proporcione a pretendida majoração do benefício.
Logo, a fase de apuração dos cálculos é de crucial importância para se valer do precedente produzido pela Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n.1.276.977, de 01.12.2022.
Em linhas gerais, a tese se resume na aplicabilidade de regra de cálculo mais vantajosa e mais benéfica ao filiado do sistema, não sendo razoável que o já filiado seja penalizado por nova regra de cálculo introduzida no sistema a posteriori com limitações na base de início do cômputo das contribuições vertidas.
Em suma, em favor do filiado restou declarada a possibilidade de contabilização de todas as contribuições vertidas desde sua filiação ao sistema, e não somente a partir de 07/1994 como aduziu a sucumbente autarquia previdenciária e assim sempre agiu.
Portanto, a tese teve sua aceitação plena com a viabilidade declarada, cabendo, portanto, o INSS se curvar ao entendimento da Suprema Corte, algo que preferiu esquecer.
Para surpresa de muitos, recentemente se noticiou a surpreendente manobra processual do INSS em solicitar ao STF o sobrestamento do decisório para que possa instrumentalizar internamente a tese. Aduziu ainda que não houve a publicação do acórdão pela Suprema Corte, bem como o trânsito em julgado, invocando essas e outras premissas jurídicas para postergar o cumprimento do precedente derradeiro do Excelso Tribunal.
Surpreendente a postura do INSS, aliás, mostrando um indesejado descompromisso com a própria Justiça Social, cuja missão também perfaz uma de suas atribuições, além da insegurança jurídica produzida para o caso, se pautando como se estivesse processualmente acima do bem ou do mal.
Esqueceu a autarquia que o sistema processual brasileiro passou por uma profunda e recente reforma a partir de 2015, valorizando os precedentes produzidos pelas Cortes Superiores como maneira de produzir a integridade e coerência da ordem jurídica nacional, conforme a textualidade do artigo 926, caput do CPC/15.
O atual CPC ainda traz outras diversas novidades nesta direção, notadamente quanto a obrigação do sistema conferir cumprimento à almejada segurança jurídica através da vinculação objetiva e subjetiva de precedentes superiores, tanto assim o é, que a própria sentença pode ser declarada nula se não aplicar súmula, jurisprudência e precedente de Corte Superior invocado pela parte.
Ora, a inovação do INSS em produzir novas barreiras à tese ocorre na contramão do que também determina o CPC/15 aos Julgadores, tendo em vista que possuem o dever de observar os precedentes advindos do julgamento de Recursos Extraordinários, como o caso ora sinteticamente debatido.
Do ponto de vista da realidade dos aposentados a medida é por deveras cruel que posterga o precedente da Corte Constitucional a um juízo de conveniência que a autarquia não possui, faz aumentar a judicialização e usa o fator tempo, um dos filtros da tese, a seu favor.
Em recente posicionamento, aliás, digno de aplausos, em decisão monocrática no AI número: 5003636-31.2023.4.04.0000/SC oriundo do TRF da 04ª Região, em 11/02/2023, o Juiz Federal João Batista Lazzari refutou a tentativa da autarquia: “Assim, diante do julgamento da matéria pela Corte Superior, não há justificativa alguma para a paralisação do feito, devendo ser observada a tese fixada. Em relação à alegação de inaplicabilidade da tese firmada, destaco que a ausência de trânsito em julgado não impede a produção imediata dos efeitos do precedente firmado pelo Tribunal pleno. Ora, nem mesmo a pendência de embargos de declaração inibe a produção imediata de efeitos julgados. (…) Ante o exposto, defiro o pedido de efeito suspensivo ativo, determinando o regular prosseguimento da ação.”.
A bem da verdade o INSS, de novo, faz prova de sua atual ineficiência, preferindo a judicialização previdenciária em larga escala sem que eficientemente pudesse implementar ainda de forma administrativa o esperado respeito ao entendimento das Cortes Superiores.
Não por menos, é ainda o INSS o responsável pelo maior número de processos do Judiciário Nacional, permanecendo na posição de destaque negativo em ranking do CNJ.
Desrespeita seus filiados e ao sistema de Justiça quando age na postergação do precedente vinculante, aliás, insuscetível de relativização, devendo concretizar a tese em sua estrutura interna, com a aguardada colaboração social ao desafio de atenuar o agigantado fenômeno da judicialização previdenciária.
O acerto da tese é a vitória de todos, cuja política de entrega previdenciária também passa pelo aprimoramento das bases financeiras das prestações, aliás, algo esperado para àqueles filiados há muito e contribuintes do sistema, sendo de notável destaque e importância o resultado do julgamento pela Suprema Corte, algo que o INSS com suas novas barreiras preferiu deliberadamente esquecer.
[1]Mestre em Direito Constitucional (FDSM). Pós-graduado pela EPD/SP e PUC/SP. Professor de diversos cursos (graduação, pós-graduação, preparatórios e atualização jurídica). Professor titular do Direito Unopar Itajubá. Coordenador Acadêmico da Pós-graduação em Prática Previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD). Escritor com mais de 15 livros publicados em várias editoras. Integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB/MG. Advogado em Minas Gerais. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de pesquisadores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto de 2019.
[2] https://exame.com/brasil/inss-pede-suspensao-de-processos-de-revisao-da-vida-toda/.
[3] https://falabarreiras.com/no-brasil/alexandre-de-moraes-da-10-dias-para-inss-apresentar-plano-para-o-pagamento-da-revisao-da-vida-toda/.
[4]Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
[5]Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (…) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
[6]Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
[7] https://www.conjur.com.br/2023-mar-11/burocratico-ineficiente-estado-maior-litigante-brasil.