Sérgio Henrique Salvador
Um dos assuntos mais conhecidos e polêmicos do contexto previdenciário recentemente ganhou novos capítulos e, infelizmente, pelo que se viu até aqui está longe de ter um razoável desfecho.
Trata-se da tese revisional nominada pela doutrina especializada de “Revisão da Vida Toda (RVT)”, cuja temática promove efusivas discussões perante a comunidade jurídica previdenciária.
Se debate ocorre dentro da análise do Recurso Extraordinário (RE) n. 1.276.977/DF e Tema 1.102, atualmente em conturbada discussão recursal pelo Supremo Tribunal Federal.
O ponto central e que dá vida a tese envolve a interpretação e aplicação de regra de cálculo mais benéfico ao beneficiário do INSS, fazendo com que a alteração normativa promovida pela Lei 9.876/1999 tenha uma incidência protetiva, benéfica e mais justa possível, tendo em vista que indevida a criação de novidade normativa no meio do trajeto e com impacto prejudicial àquele já filiado ao sistema, em outras palavras, criando cenário de retrocesso social.
No mínimo, se esperava uma análise dual e opcional de escolha da melhor regra do cálculo, após a conferência financeira de apuração da média contributiva, vale dizer, amoldar o sistema para que o beneficiário optasse pelo melhor regramento, já que em todas as situações possíveis é o trabalhador filiado ao sistema previdenciário um segurado contribuinte, portanto, abrigado, tutelado e credor da proteção social.
Evidente que a tese ora sinteticamente debatida é de exceção, pois não atinge tudo e nem todos, existindo filtros fáticos e jurídicos que impedem sua extensão universal aos filiados do sistema previdenciário brasileiro.
Pois bem, em 01/12/2022 a tese restou apreciada em definitivo no plenário do STF, por maioria de votos, mas que essencialmente foi proclamada sua plena viabilidade jurídica, vale dizer, deu o Excelso Tribunal a importante chancela de seu conteúdo técnico em solo nacional.
Imaginou-se que o Tribunal Maior tivesse, de fato, exaurido todos os pormenores da temática, aliás, uma tese que ocupa um volumoso quantitativo de processos no já assoberbado Judiciário Nacional.
Evidente que a vitória quanto a possibilidade jurídica da tese merece importante registro e um aceno positivo de convalidação de um tema que visa o aprimoramento de aplicabilidade do sistema previdenciário nacional enquanto genuína técnica protetiva.
Nos dizeres de Wagner Balera: “A previdência Social é uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego”.
Portanto, a validação da tese em sua essência merece registros positivos da comunidade jurídica especializada, tal qual ocorreu a partir dos minutos seguintes a proclamação do resultado.
Lado outro, aguardava-se ainda um exaurimento qualitativo de seu teor a fim de que as celeumas jurisdicionais que a envolvem fossem, por completo, respondidas pelo Tribunal Maior.
E não foi isso o que ocorreu, infelizmente.
Questões de relevo como início de aplicabilidade da tese; pagamento dos valores atrasados; efeitos temporais; benefícios englobados; dentre outros aspectos mereciam aprofundamento em cada voto consolidador por parte da Excelsa Corte.
Ademais, um dever jurisdicional do Tribunal Constitucional que, além de ser o guardião da Constituição da República é também imbuído de promover segurança jurídica através da interpretação normativa no plano de concretizar a idealizada unidade do Direito, também defendida pelos processualistas como a paz social.
Nelson Nery Jr. e Rosa Nery asseguram neste sentido que: “Sendo uma das funções dos tribunais superiores uniformizar o entendimento da CF (STF) e da lei federal (STJ e TST), toda decisão tomada pelas cortes superiores em casos individuais projeta o entendimento no tribunal, atuando como que paradigma para os casos idênticos futuros. A relevância das decisões dos tribunais superiores em lides individuais, portanto, não está somente na sua aplicação ao caso concreto, como atuação da verdadeira atividade substitutiva da jurisdição e como fator de implementação da paz social. Sua relevância transcendente à situação individual está no quadro da fundamentação do acórdão (…), fundamentos esses que se aplicarão aos casos concretos futuros que serão examinados pelo tribunal superior ou por qualquer outro órgão do Poder Judiciário”.
Portanto e aqui, um cenário frágil de incompletude do debate.
E meio as visíveis lacunas do pronunciamento de dezembro de 2022 intentou o INSS outras modalidades recursais que provocou a suspensão nacional do tema, ainda que o mesmo STF já havia proclamado a tese.
De novo, o martírio dos beneficiários do RGPS e também jurisdicionados que, não tiveram o desfecho das ações protocoladas no Judiciário Nacional até o presente momento.
A surpreendente suspensão não impediu de uma rediscussão interna por parte de alguns Ministros que, de forma até mesmo confusa, passaram a enfrentar certos aspectos, notadamente quanto ao início dos efeitos financeiros da tese e seu alcance no pacote de prestações.
Aqui, um outro momento de explícitas confusões e contradições.
Ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber, aliás, já aposentada da Suprema Corte lançaram seus votos e totalmente contraditórios em alguns aspectos, suscitando datas estranhas; marcos temporais inovadores; temas como benefícios extintos; julgamento ocorrido no STJ, etc., mostrando, infelizmente, que o exaurimento do debate está longe de um seguro desfecho.
Atualmente, após pedido de vistas regimentais do novel Ministro Zanin, o debate retornará em breve, na esperança de que seja exaurido de forma completa antes do apagar das luzes de 2023.
A bem da verdade, o otimismo e a alegria exarada no julgamento anterior de viabilidade da tese agora se transformaram em incertezas sobre o que está por vir, em um sentimento de dúvidas se a Suprema Corte irá, de fato, cumprir seu importante papel de interpretar e aplicar a norma jurídica no compromisso maior de concretizar a sonhada Justiça Social, primado esse que inspira e confere vida ao sistema previdenciário nacional, aliás, que por dever legal vincula os Julgadores.
Em um contexto de excluídos; gigantes desigualdades sociais; ineficiência de atuação do INSS; exclusão digital; informalidades; etc., serve a tese da Revisão da Vida Toda como importante rota de aprimoramento do benefício previdenciário existente a revisar, conferindo assim dignidade a seus envolvidos.
Esse, dentre outros aspectos, o que espera ser visto nos próximos capítulos de seu debate constitucional que está longe de se encerrar.
Por Dr. Sérgio Henrique Salvador
Mestre em Direito Constitucional. Pós-Graduado pela EPD/SP e PUC/SP. Professor Universitário. Escritor com mais de 15 livros publicados. Pesquisador. Advogado em Minas Gerais. Integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB/MG. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de professores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto/2019.