O desembargador Newton Teixeira Carvalho salientou a necessidade de todo o sistema de justiça se envolver com métodos de autocomposição
O Seminário de Constelação Sistêmica, em 13/5, trouxe o promotor de justiça Elkio Uehara, membro do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG); e a servidora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Waniêde Sousa Pacheco, responsável pelo setor de constelação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Belo Horizonte (Cejusc/BH).
O
evento é uma realização da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e busca apresentar a metodologia aos profissionais do Direito e interessados, como forma de incentivo aos meios alternativos de solução consensual de controvérsias. Veja aqui a
discussão do 1º dia, com os juízes Sami Storch, do Tribunal de Justiça da Bahia, e Clayton Rosa de Resende, coordenador do Cejusc/BH.
Na abertura, o 3º vice-presidente do TJMG, desembargador Newton Teixeira Carvalho, falou do sucesso da iniciativa. Os dois módulos alcançaram mais de 4,2 mil visualizações. “Este é um assunto ainda pouco estudado, embora tenhamos grandes especialistas em Minas Gerais. O seminário pretende desmistificar alguns preconceitos, porque entendemos que se trata de mais uma ferramenta de suma importância na política autocompositiva”, defendeu.
O coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) frisou que os magistrados devem se aprimorar constantemente e estar abertos a uma mudança de mentalidade, de cultura e de comportamento. “Queremos mais adeptos para um Judiciário que reconheça que o juiz não tem que decidir tudo, e deve promover o diálogo entre as partes”.
Ao falar do primeiro expositor, o desembargador Newton Teixeira Carvalho destacou, ainda, que Ministério Público, Defensoria Pública e advocacia “fazem parte da família do Judiciário”, de modo que a troca de conhecimento entre seus integrantes favorece o cidadão e as instituições com o enriquecimento mútuo. “O Ministério Público vem fazendo excelentes composições, evitando novas ações e estimulando a conciliação”, disse.
Autocomposição no Ministério Público
Segundo o promotor de justiça Elkio Uehara, a atuação preventiva e conciliadora do Ministério Público é pouco conhecida, mas o órgão é um dos maiores demandantes. Contudo, enquanto agente de transformação social e defensor da sociedade, a busca de pacificação é um dos seus objetivos.
O estudioso explicou que a tradução do termo alemão que deu origem à constelação (Ausstellung) é “colocação, posicionamento, representação”, e se refere a um sistema em que surgem desordens entre seus elementos componentes que precisam ser reorganizadas. “O posicionamento disfuncional de membros de um sistema pode gerar resistência e um conflito de interesse que pode chegar à justiça”.
O promotor Elkio Uehara falou sobre a aplicação do direito sistêmico pelo MPMG
Ele retomou as leis básicas de pertencimento, hierarquia e equilíbrio, enfatizando que elas se integram ao universo do Direito, porque contemplam a pluralidade de pensamento e formas de ser e as diferentes trajetórias de vida e objetivos. “O que está em jogo, nesses valores essenciais, é o próprio Estado Democrático de Direito, que quer assegurar inclusão de todos, a necessidade de ordem e de equilíbrio, presentes desde o preâmbulo da nossa Constituição Federal”, afirma.
“No direito sistêmico, ideias como a solidariedade e a fraternidade mais uma vez vêm à tona. Eu resumiria toda essa concepção em uma palavra: respeito. Isso vale para o patrimônio histórico, as populações indígenas e todos os direitos protegidos pelo Ministério Público, e na verdade é o fundamento das relações humanas”, ressaltou.
Discorrendo sobre sua experiência na área criminal, na lida com estudantes e famílias, ele pontuou que muitos, mesmo sabendo que há uma norma para todos, têm dificuldade em cumpri-la. “Isso abre espaço para um olhar diferenciado para o sistema punitivo e carcerário, já que a política nacional de resolução pacífica de conflitos abarca o MP. Assim se fortalece a emancipação social”, disse.
Caminho possível
A socióloga e bacharel em Direito Waniêde Sousa Pacheco lembrou que a constelação sistêmica é um caminho e que profissionais e indivíduos são livres para acolher ou não. Contudo, para ela, a adoção desse método na justiça faz parte de uma tendência humanizadora, que começou há décadas com a preocupação com o sistema multiportas e com a ampliação do acesso à justiça.
“Temos a conciliação, a mediação, a arbitragem, a negociação, as oficinas de parentalidade e agora a constelação familiar. É mais uma opção”, sustentou, comparando o direito tradicional à ponta do iceberg e o sistêmico, àquela grande base desconhecida e oculta, que é a raiz do problema e, muitas vezes, está no nível inconsciente.
A servidora responsável pelo setor de constelação do Cejusc/BH apresentou dados de pesquisa em andamento que apontam um grau de satisfação de 94,8% das partes consteladas e um total de 1.200 representantes ou observadores nas sessões realizadas entre 2018 e 2020 e de 300 participantes, com índice de acordo de aproximadamente 44%. De acordo com ela, pelo menos 19 estados da federação empregam a técnica em alguma medida.
Waniêde enfatizou que nem sempre a composição é atingida, mas é frequente que as pessoas relatem mudanças positivas. Ela acrescentou que existe um cuidado para que as condições de cada um sejam atendidas, com confidencialidade, sensibilidade e autonomia, e que a indicação pode ser feita pelos advogados, magistrados ou mesmo mediadores, ou a partir da manifestação das partes.
Waniêde Pacheco, especialista em constelação, explicou como a prática é conduzida no Cejusc/BH
A servidora detalhou o fluxo de trabalho das constelações no Cejusc e ressaltou que a seleção dos profissionais envolvidos é feita com rigor e foco na qualificação e com respeito ao tempo de cada um, para amadurecimento das questões. Segundo ela, são recorrentes processos de divórcio, pensão alimentícia, partilha de bens, alienação parental, inventários, causas cíveis e até violência doméstica, no âmbito familiar.
A estudiosa descreveu a dinâmica das vivências conduzidas no Cejusc/BH e recuperou conceitos, teorias e filosofias variadas relacionadas com o surgimento da constelação sistêmica e com a identificação dos mecanismos que fazem com que os indivíduos tenham lealdade e fidelidade a padrões de comportamento destrutivos ou prejudiciais.
Coordenador do Cejusc/BH, o juiz Clayton Resende encerrou o seminário de constelação
De acordo com Waniêde, é importante que cada ator – inclusive advogados, juízes, mediadores e conciliadores – avancem no autoconhecimento para perceber se dilemas interiores e pessoais não estão interferindo nos problemas das partes, prejudicando o entendimento, e a constelação pode auxiliar nisso.
O chefe de gabinete do corregedor-geral de justiça, Roberto Brant Rocha, representou o desembargador Agostinho Gomes de Azevedo. Os trabalhos foram encerrados pelo juiz Clayton Rosa de Resende.