Recentemente um tema estranho a uma parcela expressiva da população tomou lugar nos noticiários de todos os tipos de mídia. Um dos itens previstos para a reforma da previdência seria a autorização constitucional para a mudança da previdência do atual esquema de repartição para um possível esquema de capitalização, já adotado em alguns outros países, inclusive da américa latina.
Primeiro devemos definir como funciona cada um desses esquemas de previdência. No esquema de repartição os contribuintes que estão na ativa, ou seja, aqueles que estão trabalhando e pagando a previdência proveem os recursos que são recebidos por aqueles que são os chamados beneficiários, ou seja, pagam os pensionistas, aposentados e demais pessoas beneficiadas com os recebimentos de proventos.
No casso do INSS podemos dizer que os trabalhadores formais e empresários atualmente pagam um dinheiro que é repassado aos aposentados de hoje. Esta conta como sabemos é deficitária e requer recursos de outras fontes que não apenas as contribuições recebidas dentro do sistema INSS, desta forma o governo aloca dinheiro arrecadado com outros impostos para conseguir pagar todos os beneficiários do sistema.
Por outro lado, no esquema de capitalização, o aposentado recebe pagamentos provenientes de uma poupança financiada por ele mesmo. Ou seja, o trabalhador quando em fase ativa, contribui para a sua própria poupança. A cada recolhimento feito, sua conta em um fundo de previdência recebe o aporte. Este recurso rende juros ao longo do tempo graças aos investimentos feitos com este dinheiro que deverá ser gerido por um fundo de pensão. Na fase final de sua vida ativa, o trabalhador que se aposenta recebe o dinheiro que poupou. Portanto, quanto mais este trabalhador tiver poupado e quanto mais o gestor de seu fundo de pensão conseguir fazer render os investimentos maior será a aposentadoria.
Agora que já sabemos a diferença entre os dois esquemas previdenciários resta-nos responder qual o melhor esquema previdenciário? E já podemos adiantar que ambos esquemas têm vantagens e desvantagens, podendo inclusive haver uma solução mista que tome as partes boas de ambos os planos para minimizar as suas deficiências.
Vamos iniciar falando sobre o esquema de capitalização. A primeira grande diferença deste esquema é migrar o risco sociodemográfico que é do estado, no caso da repartição, para o contribuinte e para o gestor do fundo de pensão. Mas o que isto quer dizer? No atual esquema de repartição caso mude o perfil sociodemográfico da população do país os gastos do governo podem aumentar sem um aumento da arrecadação associado.
Um exemplo pode nos ajudar a entender. Caso o número de filhos por família se reduza, ou seja, a taxa de natalidade e número de pessoas que chegam ao mercado de trabalho se reduza, e ao mesmo tempo a expectativa de vida dos que já contribuíram no passado aumente, o sistema tende a entrar em déficit, os gastos ficam maiores que as receitas. Isto seria um risco de mudança sociodemográfica que deve ser custeado pelo governo. Já no esquema de capitalização este risco não passa a fazer mais parte das preocupações do governo. Afinal, cada um irá receber o que poupou, não importando quantos trabalhadores vão existir no futuro para sustentar o sistema, pois são contas independentes e pessoais que podem inclusive ser geridas por fundos não estatais.
Outra diferença e que pode ser considerada um ponto favorável ao esquema de capitalização é o crescimento do mercado de capitais devido ao estímulo que o esquema dá à formação de poupança. Quando o trabalhador começa a contribuir para a formação do seu fundo de previdência no esquema de capitalização, ele nada mais está fazendo, do que formando uma poupança que será investida no mercado por um gestor até a data de sua aposentadoria, quando então se iniciarão os saques. Considerando um número muito grande de contribuintes nestes fundos haverá um acréscimo de capital disponível para investimentos no mercado, podendo reduzir taxas de juros dos tomadores de recursos voltados para investimentos, podendo inclusive estimular o crescimento do capital produtivo dentro e fora do nosso país. Associado aos maiores investimentos pode haver ganhos de produtividade no setor produtivo devido uma vez que este passará a contar com mais bens de capital como máquinas, instalações e infraestrutura, todas financiadas a um custo mais baixo devido a abundancia de capital disponível.
A princípio pode parecer que há grandes vantagens na migração do esquema de repartição para o esquema de capitalização, no entanto, alguns pontos de dificuldades na migração e problemas futuros devem ser destacados.
O primeiro grande desafio na mudança de um sistema de repartição para o sistema de capitalização está justamente na migração de um sistema para o outro. Esta migração gera um desequilíbrio nas contas do sistema previdenciário atual de repartição. Como vimos o esquema de repartição se faz valer das contribuições atuais para pagar os aposentados e pensionistas da atualidade. Se o esquema de capitalização for adotado os contribuintes passarão a recolher suas contribuições para a sua própria poupança que deverá ser capitalizada em um fundo e só deve ser sacada no momento da aposentadoria. Durante anos, portanto, os aposentados que contribuíram ou possuem o direito a aposentadoria ou pensão segundo às regras do antigo esquema de repartição terão que ser financiados exclusivamente pelo governo, que não contará mais com a arrecadação no esquema de repartição uma vez que os contribuintes agora estarão formando os seus fundos de capitalização. Se o déficit na previdência de repartição atualmente já é um problema sério para as contas do governo, mesmo com a arrecadação dos contribuintes, imaginem como seria se estes fossem excluídos do sistema para migrarem para um esquema de capitalização! As contas do governo ficariam ainda mais deficitárias.
Portanto, a migração para o esquema de capitalização deve ser cuidadosa e com contas muito bem planejadas e eventualmente um esquema de migração gradual, de tal forma que não comprometa sobremaneira as contas do governo.
Outro grande problema que diversos países que migraram para o esquema de capitalização enfrentam é com relação a necessidade de um bom planejamento de políticas de assistencia social. Principalmente em países menos desenvolvidos, com a renda média por habitante baixa, ou com uma parcela expressiva com baixos rendimentos e que enfrentam trabalhos informais ou longos períodos de desemprego. Para populações mais vulneráveis à estas dificuldades econômicas o valor poupado ao final da vida ativa pode ser muito baixo implicando em aposentarias muito reduzidas, associadas à patamares de vida muito abaixo do limite de pobreza aceitável. Neste caso programas de assistencia social como um valor mínimo de aposentadoria devem ser garantidos pelo governo.
Além destas questões já discutidas, é importante também discutir quem serão os administradores dos fundos de pensão. Como serão regulados e como será estimulada a competição entre estes gestores. Se haverá ou não a presença de fundos estatais e quais serão os mecanismos de proteção contra fraudes, perdas devido a tomada de riscos excessivos e muitas outras questões da boa administração financeira.
Portanto, podemos concluir que a capitalização é uma boa estratégia para estimular a poupança e para populações com baixos níveis de desemprego e informalidade. Ao mesmo tempo que retira riscos sociodemográficos da administração pública exige que não se abandone por completo as políticas de assistencialismo social que visam garantir a aposentadoria da população mais vulnerável.
Em um próximo painel podemos voltar a falar sobre o assunto dando destaque a um possível terceiro esquema previdenciário que é de repartição, mas possuem flexibilidade semelhante aos de capitalização para ajustar as contas do governo e da previdência, esquema conhecido como de contas nocionais adotado em alguns países nórdicos.
Nos encontramos novamente em breve para falarmos mais sobre economia e finanças.
Coluna do Prof. Dr. André Luiz Medeiros juntamente com Prof. Dr. Moisés Diniz Vassallo
Ambos do Grupo DENARIUS – Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação Financeira
Instituto de Engenharia de Produção e Gestão (IEPG)
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
A coluna tem o objetivo de tratar de tema altamente relevante que orienta às pessoas no controle de seus gastos ao mesmo tempo que ensina a administrar seu orçamento doméstico. Confira os artigos da coluna “Educação Financeira e Cidadania”