Por Sergio Henrique Salvador[1] Ricardo Leonel da Silva[2]
A Lei 13.876 de 20 de setembro de 2019, em vigência desde a sua publicação, com exceção do seu art. 3º que vigorará a partir de 1º de janeiro de 2020, dispõe sobre honorários periciais em ações em que o INSS figure como parte e que sejam de competência da Justiça Federal, taxatividade esta, que será objeto de reflexão neste ensaio, mais adiante.
Também, a novel legislação tratou de fixar competência para o julgamento de ações previdenciárias, de certa forma, mesclando as competências material e territorial, estabelecendo critério objetivo de distância ao Município sede de Vara Federal, que também merecerá reflexão neste artigo.
Termina por estabelecer critérios para a contribuição previdenciária incidente nas reclamatórias trabalhistas no que concerne a relação entre as verbas de naturezas remuneratórias e indenizatórias, tanto na fase cognitiva ou homologatória, quanto na execução do valor efetivamente pago pelo empregador.
De início, ao se analisar o regramento sobre o pagamento dos honorários periciais nas ações em que o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte, identifica-se que a Lei atribuiu ao Poder Executivo Federal o ônus financeiro das referidas perícias que já foram realizadas e ainda não pagas, bem como as que venham a ser realizadas no prazo de 02 (dois) anos após sua publicação.
No § 3º, do art. 1º, fixa que, a partir de 2020 e, no prazo de até 02 (dois) anos após a data de publicação, o Poder Executivo federal garantirá o pagamento dos honorários periciais referentes a 1 (uma) perícia médica por processo judicial, excetuando-se comando judicial dado por instâncias superiores que determinem a realização de outra perícia.
Chama a atenção o critério temporal estabelecido pela Lei determinando a responsabilidade do Poder Executivo Federal pelo pagamento das perícias, sem limitação da quantidade, já realizadas ou em curso, e limitadas a 01 (uma), a partir de 2020, no prazo de até 02 (dois) anos a partir da data da sua publicação.
Ou seja, o dispositivo legal já determinou a vigência do seu artigo 1º que caducará em 22 de setembro de 2021. Em redação confusa e desnecessária, a Lei estabeleceu prazo para o término da responsabilidade da Fazenda Pública em arcar com os honorários periciais em sede ações previdenciárias.
Ora, geralmente, a perícia é o meio de prova utilizada pela autarquia para desconstituir a alegação do segurado em sede jurisdicional. Neste ponto, importante lembrar que, nos termos do artigo 336 do CPC, incumbe ao réu, neste caso à autarquia-ré, alegar na contestação, toda a matéria de defesa, especificando as provas que pretende produzir.
Via de regra, o segurado aciona a jurisdição alegando seu direito ao benefício pretendido cabendo à autarquia-ré, caso queira, desconstituir a alegação do segurado, autor da ação, utilizando-se da perícia médica e sendo responsável por seu ônus, nos termos do artigo 373, II, do diploma processual brasileiro.
Ainda, nos termos do art. 95 do CPC, a remuneração do perito será adiantada pela parte que houver requerida a perícia. Neste contexto, a Lei estabelecer prazo para retirar o ônus da Fazenda Pública, quanto aos honorários periciais, não apresenta consonância com a Lei Processual, que prevalece em função de sua especialidade.
Em última “ratio” a maioria esmagadora de processos previdenciários tramitando em sede jurisdicional estão sob o mantra da gratuidade de justiça, sendo que, indiretamente, o tesouro nacional acaba por arcar com o ônus das perícias médicas nas ações em que o INSS figura como parte.
Outro ponto muito discutível diz respeito ao condicionamento da competência da Justiça Federal, no art 1º da Lei, como condicionante para o pagamento dos referidos honorários periciais, ainda que no § 1º determine também a aplicação do disposto no caput aos processos que tramitam na Justiça Estadual, no exercício da competência delegada pela Justiça Federal.
Cabe lembrar que as ações envolvendo acidentes do trabalho em que o INSS seja parte são de competência exclusiva da Justiça Estadual e, neste caso, não está se falando de competência delegada, ficando assim, excluídas do texto legal.
Justamente nestes tipos de ações que envolvem acidentes do trabalho há maior demanda por provas periciais, única maneira de comprovar a redução parcial ou total do segurado para o exercício das atividades que normalmente realizava antes do sinistro.
Como analisado, o critério temporal do artigo 1º, a exceção do comando legal aos processos, cuja competência exclusiva seja da Justiça Estadual traduzem a ineficiência do dispositivo que, além de redação confusa, não trouxe inovação que possa contribuir, de forma expressiva, com o processo previdenciário no âmbito jurisdicional.
O artigo 2º da Lei tratou de conferir nova redação ao artigo 832 da CLT, acrescentando os §§ 3º-A e 3º-B. Em suma, os dispositivos estabeleceram como base de cálculo, para aplicação das parcelas referentes ás verbas de natureza remuneratória, o salário mínimo, ou, em se tratando de categoria, o piso salarial definido por acordo ou convenção coletiva do trabalho.
Além disso, estabeleceu que, havendo diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a remuneração efetivamente paga pelo empregador terá como base, referente a cada competência, valor não inferior ao salário mínimo ou, em se tratando de categoria, o piso salarial definido por acordo ou convenção coletiva do trabalho.
Ora, a adição dos §§ 3º-A e 3º-B tiverem como intuito garantir o recolhimento das parcelas de contribuição social à previdência, estabelecendo como base o valor do salário mínimo ou de piso da categoria.
Notório que, principalmente nas decisões homologatórias de reclamações trabalhistas, na maioria das vezes ocorre a tentativa de atribuir a natureza indenizatória ao quantum total do valor acordado, eximindo as partes dos recolhimentos das contribuições sociais incidente e devidas ao INSS, subtraindo valores que, em condições regulares na vigência do contrato de trabalho, teriam sido recolhidos aos cofres da previdência.
Outras vezes, são atribuídos valores irrisórios às verbas de natureza remuneratória, em prejuízo ao recolhimento das referidas contribuições sociais devidas à previdência, sejam pelos empregadores ou pelos empregados.
De certa forma, os dispositivos legais tiveram a intenção de coibir a utilização do litígio na justiça do trabalho como forma legal de “sonegar” a contribuição social devida à Previdência Social na constância do contrato de trabalho ente empregador e empregado, sendo que, o empregado, certamente, utilizar-se-á dos períodos reconhecidos e abarcados nas reclamações trabalhistas para comprovação do requisito “carência” quando do exercício do seu direito aos benefícios previdenciários.
Por fim, cabe especial atenção ao dispositivo representado pelo artigo 3º da Lei que, alterou o art. 15 da Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, disciplinando a competência para o processamento das ações de natureza previdenciária, efetuando um verdadeiro “mix” entre as competências material e territorial ao estabelecer critério objetivo de distância entre a comarca de origem do segurado litigante e a comarca sede de vara Federal.
Cabe ressaltar que, o Art. 109, I, da Constituição Federal de 1988 estabelece a competência exclusiva da Justiça Federal para processar as ações em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
No § 3º, do mesmo artigo, dispõe ainda quanto à competência delegada:
“Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual” (Brasil, 1988). G.N.
Assim, nítido que a nova redação conferida pela Lei ao inciso III, do artigo 15 da Lei 5.010/1966, limitando a distância mínima de 70 (setenta) quilômetros entre a comarca do segurado e a comarca seda da Vara da Justiça Federal, nas ações pleiteando benefícios previdenciários de cunho pecuniário, afronta o texto constitucional.
Ainda, sem desafiar a inconstitucionalidade do dispositivo, é notória a grande diversidade geográfica do Brasil, país com extensão continental e contrastes gigantescos de povoamento e desenvolvimento em suas mais diversas regiões, sendo que, ao limitar por critério objetivo a distância entre a comarca do segurado litigante e a sede da Vara Federal o legislador impôs requisito que, certamente, dificultará o ajuizamento de ações de inúmeros segurados.
Sabido que, muitas cidades, ditas satélites, orbitam grandes metrópoles e que, a pesar da reduzida distância apresentam grande dificuldade de acesso dos segurados às Varas Federais, seja pelos problemas de mobilidade urbana, seja por dificuldades financeiras.
Como exemplo, o segurando de uma cidade satélite de São Paulo que esteja à menos de setenta quilômetros da sede da Vara Federal provavelmente terá grande dificuldade de manejar ações previdenciárias na capital, seja pela necessidade de cumprimento dos atos processuais naquela localidade, impondo sofrimento e onerosidade pelo deslocamento ou pela necessidade de contratar patrono para a causa fora do seu município.
De outra forma, no interior temos cidades que distam a menos de setenta quilômetros de uma sede de Vara Federal, mas que, a imposição do ajuizamento da ação na citada competência traduz grande prejuízo ao segurado.
Assim, retirar a faculdade garantida pelo texto constitucional de utilização da competência delegada atribuindo novo requisito objetivo de distância mínima por lei infraconstitucional não nos parece razoável, o que pode determinar grande prejuízo ao segurado litigante.
A Lei 13.876/2019 tratou ainda de conferir competência ao Conselho de Recursos da Previdência Social, atualmente CRSS, para julgar os recursos referentes à compensação financeira, à supervisão e à fiscalização dos regimes próprios de previdência social de que trata a Lei 9.717, de 27 de novembro de 1988.
Diante do explanado, grande reserva quanto às intervenções pontuais, às micro reformas previdenciárias, na grande maioria dos casos prejudiciais, principalmente quanto à regulação de procedimentos que traduzem grande prejuízos aos segurados e que, por vezes, passam desapercebidas da grande mídia e são aprovadas pelo legislador sem maiores alardes e, infelizmente, sem uma discussão aprofundadas envolvendo especialistas da área.
De novo, uma reforma pontual, segmentada, na correria e atingindo os destinatários dessa tão importante política constitucional de proteção social chamada “previdência” e sequer convocados ao debate.
Infelizmente, mais uma vez, os dizeres de um conhecido filósofo que atribui ao fator tempo o senhorio da razão!
[1] Mestre em Direito (Constitucionalismo e Democracia) pela FDSM. Pós-graduado em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professor Universitário. Professor de cursinhos preparatórios. Escritor. Conselheiro da 23ª Subseção da OAB/MG. Advogado em Minas Gerais. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrante do comitê técnico da Revista Síntese de Direito Previdenciário.
[2] Pós-graduando em Direito Previdenciário pela EBRADI. Pesquisador, Parceiro e Consultor na Santiago Grilo Advogados. Advogado em São Paulo. Consultor e Orientador para prevenções no âmbito empresarial.