É que possui valores e princípios republicanos como bases de sustento, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, princípio da solidariedade e diversos outros.
Assim sendo, pela sua notória riqueza jurídica e científica, está ligado e entrelaçado com outros diversificados ramos jurídicos, de forma harmoniosa, ora como fonte supletiva, subsidiária, ou mesmo de atuação direta.
Por exemplo, é na legislação previdenciária e não na CLT que encontramos a definição e regulamentação do acidente do trabalho, que possui diversos efeitos na seara laboral.
Pois bem, sob a ótica da processualidade, quer seja, instrumentalidade, o Direito Previdenciário se vale do Código de Processo Civil como diploma-base, além de algumas normas especiais de índole processual, como a lei do Juizado Especial Federal, o Mandado de Segurança e outras.
Nessa ótica, é regido por todos os estudos e diretrizes do direito processual civil e que também possui espectros constitucionais importantes, dentre os quais, os princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade, segurança jurídica e outros.
Em uma demanda previdenciária sob a engenharia judicial, sabidamente com o encerramento das discussões e suas deletérias fases, produzido é o instituto da “coisa julgada”, vale dizer o fenômeno jurídico que encerra toda a discussão processual e sepulta o debate da matéria deduzida em juízo.
Aludido instituto de índole constitucional guarda sintonia e justificativa direta com o princípio da segurança jurídica, vale dizer, com o caso definido e declarado pelo Judiciário em definitivo, tem a solução final do litígio, a pacificação social e a convalidação desse importante princípio republicano.
Ocorre que no campo previdenciário, infelizmente a questão ganha outros ares.
É que mesmo sob o endosso judicial, com o encerramento da discussão em juízo de determinada questão e operando-se a coisa julgada, o INSS tem agido para a sua relativização ou mesmo completa anulação jurídica.
Recentemente, de maneira perplexa e ao mesmo tempo assustada, mais uma vez a comunidade jurídica especializada tomou conhecimento danovelMedida Provisória 739 de 07.07.2016 em que autoriza a autarquia a revisar determinados benefícios por incapacidade do trabalho, ainda que concedidos judicialmente.
Aqui o ponto central dessa modestíssima reflexão.
Poderia aqui ser ventilado diversos aspectos a respeito, de forma a confrontar a pertinência de citada medida provisória sob o aspecto da sua justificativa, legal e política, contudo, tão somente no olhar do direito constitucional processual traz em seu bojo perigosíssimo caminho contrário a segurança jurídica.
Ora, por exemplo, a partir de agora determinado indivíduo que aufere uma aposentadoria por invalidez concedida pelo Judiciário em definitivo pode ter seu benefício cessado de uma hora para outra conforme previsão de atuação administrativa do instituto, se entender o corpo pericial autárquico pela recuperação da capacidade laborativa na convocação do segurado.
E mais, literalmente passa uma borracha em todo o conteúdo judicial, vale dizer, às provas produzidas, alegações das partes, o próprio conteúdo da perícia judicial, como também aos princípios do contraditório, ampla defesa, duplo-grau de jurisdição e vários outros a respeito.
Lado outro, premia o INSS com um exagerado superpoder, já que invade sobremaneira a esfera judicial, rasgando a tripartição constitucional, além de criar para o mesmo uma nova alternativa atípica de reverter o mérito de um comando judicial transitado em julgado.
Mesmo que autorizado por instrumento legislativo, mesmo que determinados dispositivos da legislação previdenciária em tese autorizem essa nova discussão, evidente que os comandos e sonhos constitucionais não podem ser desprezados para a hipótese ora em discussão, afinal a coisa julgada foi elencada como premissa processual apta a conferir segurança jurídica na atuação jurisdicional.
Ademais, qualquer ordenamento jurídico se justifica e não subsiste sem observância fiel a valores e princípios, razão de que citada medida provisória fere de morte a segurança jurídica tal qual formatada na Lei Maior.
Esse, aliás, o pensamento majoritário de nossos Tribunais, como, por exemplo, o seguinte aresto do Tribunal Mineiro que merece aplausos:
“O Poder Judiciário não pode compactuar com uma postura pautada em normas de cunho interno, sem qualquer densidade normativa capaz e suficiente de afastar os ditames constitucionais. Jamais se poderá olvidar que nenhuma lesão ou ameaça a direito, será afastada da apreciação do Poder Judiciário, conforme estabelece o art. 5º, XXXV, da Constituição da República”.(TJMG – Rel. Des. Afrânio Vilela – 11ª Câmara Cível – Ap. Cív. 1.0324.04.023083-5/001 – DJ 24/11/2007)
Portanto, ao que tudo indica, aparentemente a coisa julgada no campo previdenciário parece não existir, infelizmente!